Textos

             

SER ARTISTA


A meta de todo artista é tocar em Deus. Assim como a religião, a arte tem como um de seus atributos principais; a pavimentação de um caminho que leve o individuo a imortalidade.
A busca da perfeição leva um artista a fazer descobertas espirituais, e a empregar o máximo de esforço espiritual. A aspiração ao absoluto é a força que impele o desenvolvimento da humanidade. Quando um artista, mesmo que inadvertidamente revela o cinismo, o egocentrismo, a prepotência diante de uma situação dramática, seja na arte ou na vida; o que para mim da no mesmo, ele mostra-se desprovido de alma, de espírito, distanciando-se daquilo que comumente chamamos - tocar em Deus.
Privada de espiritualidade, a arte traz em si sua própria tragédia. Pois, até mesmo para perceber o vazio espiritual do tempo em que vivemos, o artista deve ter qualidades especificas de sabedoria e compreensão. O verdadeiro artista esta sempre a serviço da imortalidade, lutando para imortalizar o mundo e o homem nesse mundo. Um artista que não tenta buscar a verdade absoluta, que ignora os objetivos universais em nome de coisas secundárias, não passa de um oportunista. Alerta, artista, alerta, não te entregues ao sono... és refém da eternidade e prisioneiro do tempo.
Num mundo em que existe a ameaça real de uma guerra capaz de aniquilar a humanidade, onde os males sociais existem em escala assustadora, e onde o sofrimento humano clama aos céus – é preciso encontrar um modo de fazer com que as pessoas se encontrem umas com as outras. Este e o dever sagrado da humanidade em relação ao seu próprio futuro. Acredito na arte como elemento agregador e do artista como veiculo. Desde que provido de espírito e alma.
Preciso da imortalidade para que meu sangue continue a fluir de era para era. Eu prontamente trocaria minha vida por um lugar seguro e quentinho se a agulha veloz da vida não me puxasse pelo mundo como uma linha.
Então me pergunto- como ser um artista criador desprovido de Eros, Caritas, Dionísio e Apollo

Mas tem de haver mais.



                                                                                                                FEMINILIZAR O MUNDO.

O QUE O TANTRA tem a ensinar a todos nós, neste inicio de terceiro milênio, tem a ver com o retorno do feminino ao mundo. Como diz a canção de Gil, `` minha porção mulher que até então se resguardara´´ precisa realmente tomar conta da situação. Senão vejamos: fala-se muito que este é o século da mulher, mas o que vemos é a sociedade tornando-se cada vez mais masculina, no pior que o masculino tem – a violência, o belicismo, a não preocupação com a educação e o descaso com as gerações futuras.
Nos anos 60 e 70, falou-se muito em feminismo, mas o que aconteceu foi a entrada maciça das mulheres na força de trabalho, em todo o mundo, o que gerou independência financeira, mas não liberou a mulher de ser objeto sexual. Apenas deu a ela o direito de fazer do homem também seu objeto sexual. Ela se apropriou dos valores masculinos, apenas. E passou a desprezar os seus próprios. Esses valores femininos são: o amor, o afeto, as relações humanas verdadeiras, o contato com a natureza das coisas, com a vida. E as crianças, visto que as mulheres também é mãe. Soa também femininas a musica, a dança, a poesia, a literatura. Feminina também é a doçura do lar, embelezado pela arte, vivificado pelas flores, pelos animais e pelas crianças. Entretanto, os valores femininos mais profundos transcendem o racional, mergulham no irracional. A consciência da mulher é diferente; ela já percebeu as coisas, quando o homem ainda tateia na escuridão. Esses valores também estão no homem, mas, como a educação patriarcal os reprimiu, descobri-los é uma tarefa árdua. Por isso, no caminho do Tantra, a mulher é a iniciadora. Ela abre para o homem as portas secretas para a profundeza do ser, fazendo com que o homem desenvolva as qualidades da intuição e transcendência. Isso é possível. E necessário para salvar a civilização.
Para sobrevivermos, precisamos voltar aos valores da Feminilidade. Se as mulheres governassem o mundo, a humanidade não desperdiçaria esforços titânicos e somas vertiginosas para fabricar todos esses fuzis, blindados, bombardeiros, submarinos atômicos, ogivas nucleares, mísseis teleguiados... Cada um desses engenhos, que custam fortunas, encarna o expansionismo patriarcal, e este leva inevitavelmente à guerra, como no tempo do roubo de gado pelos pastores nômades. Mãe alguma deseja ver seus filhos e netos servirem de carne para canhão.
Não é o triunfo do feminino sobre o masculino, nem uma revolução da doçura, mas uma mutação, uma revolução interior progressiva, tanto do homem como da mulher. Quanto mais pessoas de todos os níveis forem conquistadas para essa nova consciência, mais teremos possibilidade de frear a loucura de uma globalização que destrói a Vida no planeta, em nome do Mercado. Mas, para mudar o mundo e fazer reviver os antigos valores da Feminilidade, é preciso ver, pensar e agir de modo diferente.
É preciso que a mulher tome consciência de seu valor, tanto quanto de seus papéis, de seu gênio, tanto quanto de seu peso na sociedade, e ela mudará o mundo.
Existem os movimentos míticos do homem e da mulher. Eles estão sendo vividos de maneira desordenada hoje. Ao masculino, no mito, cabe a iniciativa, e a parte feminina do homem tem a ver com seu relacionamento com o mundo. Enquanto o homem defende a mulher dos perigos externos do mundo, ela o protege dos perigos internos, criados no seu inconsciente.
Uma sociedade do futuro, integrada e madura, com seus participantes vivendo em plenitude, seria uma sociedade com muito mais compaixão, discriminação, discernimento, generosidade, responsabilidade, alegria e... amor.
Uma sociedade do futuro pode e deve ser tântrica: afinal, o Tantra é recomendado pelos mestres da Antiguidade como a pratica para estes tempos de Kali yuga, isto é, da era de Kali, a era da degenerescência, que é exatamente onde estamos agora. Estamos vivendo em plena era de Kali, a era do ferro, a era crepuscular do fim dos tempos, profetizada nas escrituras indianas. Kali, aqui, significa discórdia, conflitos, disputas. É a era em que a sociedade humana chega ao seu nível Maximo de degenerescência, de barbárie, de desintegração. Alguma analogia?
Será que o homem de nossa era poderá transmutar seu desejo e ver a mulher como ``uma expressão do poder criador cósmico´´? Poderão o homem e a mulher de hoje se converterem em energia, pólos masculinos e femininos, shiva e shakti, de acordo com a tradição tântrica? Enquanto isso seja La o que possa acontecer nesta era, somente a pratica de um amor em que o homem e a mulher usem energia poderosa com respeito mútuo, visão espiritual, meditação pode transformar o mundo. ``É o melhor que trago em mim agora... por causa da mulher!...´´         

Mas tem de haver mais.         
                                                                                                   






                                                                                                                                     
Transpessoalidade no teatro

HAVERÁ AINDA
NO MUNDO, 
COISAS TÃO SIMPLES E TÃO PURAS 
COMO A AGUA BEBIDA 
 NA CONCHA DAS MÃOS?


`` Gauguin achava que o artista deveria buscar o símbolo, o mito, ampliar as coisas até o mito, enquanto Van Gogh achava que é preciso deduzir o mito das coisas mais modestas da vida. ´´(A. Artaud)
``Encarar a vida como um poema e a você mesmo como participante de um poema, é o que o mito faz por você. ´´ ( Joseph Campbell)
Um conceito. Mais um conceito. Não acrescenta muita coisa amontoando-se nas prateleiras das justificativas. O Teatro é o Teatro e, aliás, é mais que isso. Ele é tanto que consegue ser todos os nomes que se inventa para ele: teatro físico, pobre, vazio, grego, dança, essencial, invisível, verticalizado, da crueldade, religioso e os cambaus.
Todos os povos têm lendas épicas sobre seus antepassados tribais, e muitas vezes essas lendas tomam a forma de cultos religiosos. Os povos reverenciam e até mesmo cultuam seus antepassados reais e não os deuses sobrenaturais que detêm a chave da compreensão da vida. De todos os organismos que nascem à maioria morre antes de atingir a maturidade. Da minoria que sobrevive e se reproduz, uma minoria ainda menor terá um descendente vivo daqui a mil anos. Essa diminuta minoria da minoria, esta elite de progenitores, é tudo o que as gerações futuras serão capazes de chamar de ancestrais. Os ancestrais são raros, mas os descendentes são comuns. 
Segundo a psicologia transpessoal, filtrada pelo nosso pensamento, a experiência transpessoal relaciona-se a uma dimensão que ultrapassa o limite da compreensão do individuo enquanto fragmento de um meio sócio cultural. Indica uma noção de que não se esta mais condicionado pelos ritmos, leis, e tensões da vida cotidiana. Levanta-se a possibilidade de um momento extratemporal em que nem o universo nem os mitos haviam sido criados ainda. Uma consciência muito alem do sonho e da vigília. Essa dimensão de pensamento abole qualquer tipo de idéia de tensão e nos coloca dentro da esfera do retorno simbólico á `situação inicial´ quando a unidade primordial não se havia dispersado pela ação da criação.
No estado transpessoal não há mascaras. Acreditamos que a experiência transpessoal realiza ou configura uma sensação, um enlevo ``epifanico´´, uma supraconsiencia. Relaciona-se a formas de êxtase psíquico, insihts ou formas alteradas de consciência que podem ser provocadas, não apenas quando realizamos exercícios específicos, mas também, por exemplo, quando se escuta uma musica arrebatadora, se assiste ao esplendor do raiar do dia, se admira a imensidão do oceano, se Le um poema revelador.
Alargar limites da consciência facilita de modo extraordinário o incorporar dos sentidos e energias essenciais que habitam um determinado caráter, persona ou personagem.
Vale ressaltar que a experiência transpessoal que nos interessa demanda uma mente relaxada e quieta, sobretudo, liberta de sistemas ou credos. `` Nua, livre de amarras, mesmo de origem, a qualquer religião que seja (Bataille).
Não há exercício de criação, experiência em cena ou resgate de memória/imagens pessoais ou impessoais, emocionais. O ator/médium vive o drama do seu personagem de forma verticalizada, não deixa lacunas para escapismos seja ela de qualquer espécie. Acreditamos que a transpessoalidade em cena transita, ou melhor; habita na zona de libertação, de desistência, no espaço do vazio, entre aquilo que quero fazer e o que deveria ser feito/realizado. Pensamos que o ator transpessoal trás em si o silencio, o território desconhecido e não habitado em nos mesmos, de onde poderá emergir de forma inadiável e inaugural aquela qualidade de energia que antecede a fala, o gesto, o ser, o querer, o estar.
O ator/médium, acreditamos, devera perseguir como a um deus, o desenvolvimento do seu olhar interior, sua audição interior, sua fala interior, seu gesto interior. Isto produziria uma forma de sentir: o espaço e os objetos aí inseridos amalgaman-se; o tempo é sentido como eternidade. E o olho interior se manifesta então da-se a exteriorização do olho do coração, que designa clarividência. Pesquisando o significado na simbologia universal, aprende-se que, tradicionalmente, o olho direito, o Sol corresponde à atividade e ao futuro; o olho esquerdo, a Lua, à passividade e ao passado. A função do terceiro olho é possibilitar a percepção unitiva dos opostos. È um órgão de visão interior. Situado no limite entre a vacuidade, entre a unidade e a multiplicidade, permite que elas sejam apreendidas simultaneamente.
Pensar, olhar, sentir e agir pelo prisma do coração, possibilitara ao ator a transpessoalidade; a aproximação e comunhão. Levando-o de encontro a aquilo ao qual nos referimos anteriormente – o teatro esta ligado a forças, baseado em crenças afetivas, e cuja eficácia se traduz em gestos e atitudes.
Pensamos que o ator/médium transpessoal é um ser dotado de grande capacidade de pensar a vida e a arte através do coração.                                                                                             
``O homem sábio é aquele que pensa com o coração. (Salomão).
Mas tem de haver mais. 
Al.










Uma espera sem fim

Um vai e vem de chuvas, dias e outono atonal,
Vento frio, riso frio, dias e noites a consumir-se
 Falo com pessoas, passo por lugares, e penso pensar,
Toquei uma flor, morada de insetos picantes e febris
Meu peito cala a voz não diz coisas... cala,
Já sonho, mimi, quem sabe talvez sonhar e ninar
Meu gato que não veio, meu cão estradeiro, e eu mulá sem arreio,
Pasto eu descanso, se parar é seguir adiante,
E espero ouvindo uma sinfonia será a do adeus
Deus meu, agora já sei, saltar no tempo cair no espaço
De braços vazios de dor e solidão,
São todos os meus, sou de todo meu eu que espera,
Era uma era, um sertão tão aqui, no peito de cada um.
Meu rio, digo riso largo e profundo, pro fundo do mundo,
Dirige-se a passos voadores, a cruzar vales e montanhas,
A brincar de pássaros terrestres, infectos voadores da alma
E coração de valente, quase sempre a esperar os contentes
Com sorrisos sem dentes, banguelas em janelas de alma e rugidos
Mudos, esperam por mudanças, esperam chegadas, se ficam
Partem em partes pedaços, nacos, fiapos nas banguelas dos ventres
Tudo parece estar pronto, o cenário, o ambiente posto, o moço a moça
O jantar o café o almoço, e a mesa tão farta
Vazia de amor e de paz a espera, da espera que espere... espera... sem fim




   Verdade Verdadeira.    


Verdade é ver
através do cheiro
da cor, da pele
do arrepio, do paladar!
Verdade é a pedra
que não se move sozinha,
que constrói e destrói.
 
Verdade é a morte.
Verdade é o que deveria
ser visto, dito, sentido... mas
sempre foi omitido.
Verdade mesmo!
é a espontaneidade
dos gestos e das
vozes que se calam
y falam.

Verdade, verdadeira
é a que se vê até
de olhos bem fechados.
Verdade é a
espontaneidade
da idade,
sem espelho...

Verdade é uma
viagem do pensamento
verdade é por ti
meu sentimento.
Verdade é viver
a vida, sem ser
a vida sobrevivida
e nem o desejo
de amá-la omitida.

Verdade
são os teus olhos
de encontro aos meus olhos.
Verdade, esta em suas mãos,
só não vê, quando não
tem mão que vê!

Verdade, verdadeira
estou pra ver... e verdadeiramente 
viver... verdade e dizer- amo você. 


Contador de Historias...



Ele era pobre, mas despreocupado e feliz, livre como um saltimbanco, sonhando cada vez mais alto. Em boa verdade estava apaixonado pelo mundo. Porem, o mundo a sua volta parecia-lhe sombrio de coração, brutal, seco de alma e espírito, ele sofria com isso.<<Como>> perguntava-se << fazer com que seja melhor? Como trazer à bondade a estes tristes que vão e que vem sem olhar para seus semelhantes? Ruminava estas perguntas enquanto andava pelas ruas de sua cidade natal, vagueando e saudando as pessoas que, no entanto, não lhe respondiam.
Ora, uma manhã enquanto atravessava uma praça cheia de sol teve uma idéia. << E se lhes contasse historias?>>>>>>>>, pensou. << Assim, eu, que conheço o sabor do amor e da beleza ajuda –los-ia a encontrar a felicidade >>. Pos-se em cima de um banco e começou a falar. Os velhos, as mulheres e as crianças admirados pararam por um momento a ouvi-lo, mas depois viraram as costas e prosseguiram o seu caminho.
Mas ele achando que não poderia mudar o mundo num só dia não desistiu de sua jornada. No dia seguinte, voltou aquele mesmo, lugar e lançou ao vento com voz forte, as mais belas e comoventes palavras. Algumas pessoas pararam a ouvi-lo, mas agora eram em numero menor que no dia anterior. Alguns riram dele. Houve até quem o chama-se louco. Mas não quis ouvir, << as palavras que estou semeando um dia germinarão>>, pensou. Um dia entrarão nos espíritos e acordala-los-ão. Tenho de falar, falar mais ainda.
Teimou, pois, e dia após dia voltou àquela grande praça de sua cidade natal para falar ao mundo, contar maravilhas, oferecer aos semelhantes todo o amor que sentia. Todavia os curiosos cada vez mais tornavam-se mais raros, em breve ele estava falando para as nuvens, o vento e silhuetas que passavam apressadas, que já só lhe lançavam uma olhadela apressada e de espanto à medida que passavam. No entanto, não desistiu.
Descobriu que não sabia, nem desejava fazer outra coisa que não contar suas historias, mesmo que estas não interessassem a ninguém. Começou a dizê-las de olhos bem fechados, pela única felicidade de poder ouvi-las. Sem se preocupar em ser ouvido. Sentiu-se bem, e a partir dali: só falava de olhos bem fechados. As pessoas temendo relacionar-se com suas extravagâncias deixaram-no, só com suas historias, e habituaram-se, assim que ouviam sua voz lançada ao vento a evitar a esquina daquela praça onde ele se encontrava.
Assim, os anos foram passando. Ora, numa noite de inverno enquanto- sob um crepúsculo indiferente – contava uma lenda prodigiosa sentiu que alguém o puxava por uma manga. Abriu os olhos e viu uma criança, que fazendo uma careta engraçada, lhe disse, esticando-se nas pontas dos pés:
- Não vês que ninguém te ouve, nunca te ouviu e jamais te ouvirá? O que te levou a viveres assim a vida?
- Estava louco de amor por meus semelhantes – respondeu – foi por isso que, no tempo que ainda não o eras nascido me veio o desejo de torná-los felizes.
Replicou o fedelho.
- Pois bem, pobre louco, e eles são-no?
Não, disse ele – balançando a cabeça.
- Por que razão teimas então? Perguntou ternamente a criança tomada por repentina piedade.
Nosso contador refletiu por instantes.
- Eu conto sempre, é claro e contarei até morrer – disse – dantes eu contava para mudar o mundo.
Calou-se; e depois seu olhar iluminou-se; e acrescentou:
- Hoje, conto para que o mundo não mude, a mim.

 


Septem Sermonus ad mortus




 Jung autorizou a publicação de Sete Sermões aos Mortos em caráter particular, sob a forma de folheto, para distribuir a pessoas amigas. Nunca foi posto a venda nas livrarias. Mais tarde qualificou-o de pecado de juventude, arrependendo de tê-lo divulgado.
A linguagem lembra o estilo do Livro Vermelho, mas, ao contrario dos intermináveis diálogos com os alter-egos do Livro Vermelho, os Sete Sermões formam um todo autônomo. Transmitem a impressão, se bem que fragmentaria, do que Jung passou entre os anos de 1913 a 1917, e do que viria a criar.
Neles se encontram sugestões ou antecipações de idéias que seriam desenvolvidas subseqüentemente em teses cientificas, sobretudo as referentes á natureza polaristica da psique, da vida em geral e de todos os postulados psicológicos. Jung sentiu-se atraído pelo raciocínio por paradoxos que é típico do gnosticismo. Por isso se identifica aqui com o escritor Basilides (gnóstico do inicio do segundo século da era cristã) e até recorre à terminologia usada por ele – chamando Deus, por exemplo, de Abraxas. Tudo obedece a um plano de deliberada mistificação
.
Jung consentiu na inclusão dos Sete Sermões em suas Memórias após certa hesitação e apenas``pelo amor a honestidade´. Jamais revelou a chave do anagrama no fim do ultimo sermão.
Os Sete Sermões aos Mortos, escritos por Basilides em Alexandria, a cidade onde o Oriente encontra o Ocidente.

 
I Sermão.

Os mortos voltaram de Jerusalém, onde não encontraram o que procuravam. Pediram-me guarida e imploram que lhes falasse. Assim comecei a ensinar.

Prestai atenção: começo pelo nada. O nada equivale à plenitude. No infinito, o pleno não é melhor que o vácuo. O nada é, ao mesmo tempo vácuo e plenitude. Dele se pode dizer tudo o que se quiser: por exemplo: que é branco ou preto, ou então que existe, ou não. Uma coisa infinita e eterna não possui qualidades, pois tem todas as qualidades.
A esse nada ou plenitude da-se o nome de PLEROMA. Nesse particular cessam o pensar e o ser, já que o eterno e infinito não possui qualidades. Nele nenhum ser é, porque senão se diferencia do pleroma e possuiria qualidades que o distinguiriam como algo inconfundível.
No pleroma não existe nada e tudo existe. É absolutamente inútil pensar no pleroma, pois redundaria em autodissolução.
A CRIATURA não esta no pleroma, mas em si mesma. O pleroma é simultaneamente, o começo e o fim dos seres criados. Impregna-os, como a luz impregna o ar em todo lugar. Apesar de impregnado por completo, nenhum ser criado retem parte do pleroma, assim como o corpo
inteiramente translucido não se torna claro nem escuro com a luz que o impregna. Somos, porém, o próprio pleroma, pois integramos o eterno e o infinito. Mas não retemos nenhuma parte sua, por estarmos infinitamente afastados, não em forma espiritual ou temporal, e sim
essencial, pois nos diferenciamos dele por nossa essência de criatura, confinada no tempo e espaço.
No entanto, dele fazermos parte, o pleroma também esta em nos. Até mesmo no seu grau mais ínfimo não tem fim, é eterno, e inteiro, pois pequeno e grande são qualidades nele contidas. É aquele nada que se acha completo e continuo em todo lugar. Só no sentido figurado, portanto, me refiro ao ser criado como parte do pleroma. Porque na realidade, o pleroma não se divide em nenhum lugar, uma vez que equivale ao nada. Também somos o pleroma inteiro, porque, no sentido figurado, o pleroma é o menor ponto (apenas suposto, não existente) em nos e no firmamento ilimitado que nos rodeia. Mas, por que então, falamos afinal no pleroma, já que é assim, tudo e nada?
Falo nele para partir de algum começo e também para tira-vos a ilusão de que em algum lugar, seja fora ou dentro, existe algo determinado, ou de qualquer forma estabelecido, desde o inicio. Toda coisa que se diz determinada e certa é apenas relativa. Só é determinado e certo o que for possível de ser modificado.
O que é modificável, porem, é a criatura. Por conseguinte, é a única coisa que esta determinada e certa; porque tem qualidade; inclusive é a própria qualidade.
Impõe-se a pergunta: como se originou a criatura? Os seres criados perecem, a criatura não; pois o ser criado é a própria qualidade de pleroma, tanto quanto a não criação, que equivale à morte eterna. Em todos os tempos e lugares existe a morte. O pleroma tudo possui, individualidade e não-individualidade.
A individualidade equivale à criatura. É única. Constitui a essência da criatura e, portanto, a diferencia. Por conseguinte, o homem discrimina porque a individualidade faz parte da sua natureza. Daí também por que se distinguem no pleroma qualidades que não existem. Distinguem-nas por causa da sua própria natureza. Há, pois que falar de qualidades do pleroma que não existem.
Qual a utilidade, direis de falar nisso? Não foste tu mesmo que disseste que não adianta pensar no pleroma?
Isso eu vos disse, para tirar-vos a ilusão de que podemos pensar nele. Quando distinguimos qualidades no pleroma, falamos tomando por base a nossa própria individualidade e a respeito dessa mesma individualidade. Mas nada dissemos a respeito do pleroma. A respeito da nossa própria individualidade, porem é preciso falar, para podermos distinguir suficientemente a nos mesmos. A nossa própria natureza é individualidade. Se não formos fiéis a essa natureza, não nos distinguiremos suficientemente bem. Temos, portanto, que fazer distinções de qualidades.
Qual o prejuízo, perguntareis, em não se distinguir a si mesmo? Se não nos distinguirmos, ultrapassando nossa própria natureza, nos afastamos da criatura. Caímos na falta de individualidade, que é a outra qualidade do pleroma. Caímos no próprio pleroma e deixamos de ser criaturas. Nos entregamos à dissolução no nada. O que resulta na morte da criatura. Morremos, portanto, na medida em que não nos distinguimos. Daí o empenho natural da criatura para adquirir individualidade, para lutar contra a igualdade inicial, perigosa. A isso dá-se o nome de PRINCIPIUN INDIVIDUATIONIS. Esse principio é a essência da criatura. Com isso podeis ver por que a falta de individualidade e a não-distinção constituem grande risco para a criatura.
Devemos, pois, distinguir as qualidades do pleroma. Essas qualidades são ANTONIMAS, como, por exemplo:
O efetivo e o inefetivo.
Plenitude e Vácuo.
Vivos e Mortos.
Diferença e igualdade.
Luz e Trevas.
O Quente e o Frio.
Força e Matéria.
Tempo e Espaço.
O Bem e o Mal.
Beleza e Fealdade.
O Uno e o Múltiplo, etc.
As antônimas são qualidades do pleroma que não existem, pois uma contrabalança a outra. Como constituímos o próprio pleroma também possuímos todas essas qualidades em nós. Por ser a própria base de nossa natureza a individualidade, possuímos, portanto, essas qualidades em nome e sinal da individualidade, o que quer dizer que:
Essas qualidades são distintas e separadas umas das outras em nos: por conseguinte, não são contrabalançadas e nulas, e sim efetivas. Somos assim vitimas dessa antinomia. O pleroma está dividido em nós.
1.       As qualidades pertencem ao pleroma e só em nome e sinal da individualidade podemos e devemos possui-las ou vivê-las. Temos que nos distinguir das qualidades. No pleroma estão contrabalançadas e nulas; em nós não. Sermos distantes delas liberta-nos.
Quando nos empenhamos no bem ou no belo, esquecemos conseqüentemente a nossa própria natureza, que é a individualidade, e nos entregamos às qualidades do pleroma, que são antônimas. Lutamos para conseguir o bem e o belo, mas ao mesmo tempo também ficamos com o mal e o feio, que no pleroma são inseparáveis do bem e do mal. Quando, porem, permanecemos fiéis à nossa própria natureza, que é a individualidade, nos distinguimos do bem e do belo e, portanto, ao mesmo tempo, do mal e do feio. E assim não mergulhamos no pleroma, ou seja, no nada e na dissolução.
Tu dizes, contraporeis, que a diferença e a igualdade também são qualidades do pleroma. Como seria, então, se nos empenhássemos na diferença? Agindo assim, não estamos sendo fiéis à nossa natureza? E, apesar disso, não devemos nos entregar à igualdade quando nos empenhamos na diferença?
Não deveis esquecer que o pleroma carece de qualidades. Somos nós que as criamos pelo raciocínio. Se, porem, vos empenhardes na diferença ou na igualdade, ou em qualquer outra espécie de qualidade, estareis imersos em raciocínios inspirados pelo pleroma. Na proporção em que vos lançardes a esses raciocínios, tornareis a cair no pleroma, atingindo ao mesmo tempo a diferença e a igualdade. Não é o vosso raciocínio e sim o vosso ser que constitui a individualidade. Por conseguinte, ao contrario do que supondes, não é na diferença que deveis vos empenhar, mas no VOSSO PROPRIO SER. No fundo, pois, existe apenas um empenho, ou seja, o empenho no vosso próprio ser. Se tiverdes esse empenho, não precisareis saber nada a respeito do pleroma e suas qualidades e ainda assim atingireis a meta almejada em virtude de vosso próprio ser. Como, porem, o raciocínio se aparta do ser, devo ensinar-vos esse conhecimento, por meio do qual podereis refrear vossos pensamentos.


II Sermão.

No meio da noite os mortos, parados em pé contra a parede, bradaram: Queremos ver Deus. Onde esta? Morreu?

Deus não morreu. Agora, como sempre vive. Deus é criatura, coisa definida e, portanto, distinta do pleroma. Deus é qualidade do pleroma e tudo o que eu disse da criatura também se aplica a ele. Distingui-se, porem, dos seres criados no sentido de que é mais indefinido e interminável do que eles. É menos diferencial que os seres criados, pois a base de sua existência é a plenitude efetiva. Só na medida em que for definido e distinto é criatura e na mesma proporção é manifestação da plenitude efetiva do pleroma.
Tudo o que não distinguimos mergulha no pleroma e se anula pela antinomia. Se, portanto, não distinguimos Deus. A plenitude efetiva se extingue para nós.
Alem disso, Deus é o próprio pleroma, da mesma maneira que cada ponto infinito no criado e no incriado é o próprio pleroma.
O vácuo efetivo é a natureza do Diabo. Deus e o Diabo são as primeiras manifestações do nada, que chamamos de pleroma. É indiferente que o pleroma exista ou não, uma vez que tudo é contrabalançado e nulo. A criatura já não é assim. Na medida em que Deus e o Diabo são criaturas, não se anulam e sim erguen-se um contra o outro, como antônimos efetivos. Não precisamos de provas da sua existência. Basta que sempre se esteja falando neles. Ainda que ambos não existissem, a criatura, por causa de sua individualidade essencial, sempre os distinguira de novo no pleroma.
Tudo o que a discriminação distingue no pleroma é antinomia. Deus, portanto, sempre corresponde ao Diabo.
Essa inseparabilidade é tão intima e, como vossa própria vida lhe fez ver, tão indissolúvel quanto o próprio pleroma. Assim é que os dois se mantêm muito próximos do pleroma, no qual todos antônimos se anulam e se fundem.
Deus e o Diabo se distinguem pelas qualidades de plenitude e vácuo, criação e destruição. A EFETIVIDADE é comum a ambos. A efetividade os une. Paira, portanto,
sobre ambos, é um deus acima de Deus, já que em seu efeito reúne a plenitude e o vácuo.
Esse é um deus que não conheceis, pois a humanidade o esqueceu. Nós o chamamos pelo seu nome, ABRAXAS. É ainda mais indefinível que Deus e o Diabo.
O deus que se pode definir, nós o chamamos de deus HELIOS, ou Sol. Abraxas é efeito, nada se antepõe a ele que não seja inefetivo, daí que a sua natureza efetiva se desdobre livremente. O inefetivo não existe, portanto não resiste. Abraxas paira acima do Sol e acima do Diabo. É a probabilidade improvável, a realidade irreal. Tivesse o pleroma um ser, Abraxas seria a sua manifestação. É o próprio efetivo, não algum efeito, mas o efeito em geral.
É a realidade irreal porque não tem efeito definido.
É também criatura, por ser diferente do pleroma.
O Sol tem um efeito definido e o mesmo acontece com o Diabo. Por isso nos parecem mais efetivos que o indefinido Abraxas.
É força, duração, mudança.
Os mortos então provocaram grande tumulto, pois eram cristãos.

III Sermão.

Como a neblina que se ergue de um pântano, os mortos avançaram clamando: Explica melhor esse deus supremo.

É difícil definir a divindade de Abraxas. Seu poder é o maior porque o homem não o percebe. Do Sol, retira o summum bonum; do Diabo, o infimum malum; mas de Abraxas, a VIDA, totalmente indefinida, a mãe do Bem e do Mal.
A vida parece ser menor e mais frágil que o summum bonum; por isso é também difícil conceber que Abraxas transcenda em poder até o Sol, que é a fonte radiosa de toda a vida.Abraxas é o Sol e ao mesmo tempo a garganta eternamente voraz do vácuo, o Diabo menosprezador e mutilante.
O poder de Abraxas é duplo; mas não o vedes, porque para vossos olhos os antônimos incompatíveis se anulam.
O que o Deus - Sol fala é vida.
O que o Diabo fala é morte.
Mas Abraxas fala aquela palavra sagrada e maldita que é a vida e morte ao mesmo tempo.
Abraxas gera a verdade e a mentira, o Bem e o Mal, a luz e as trevas, na mesma palavra e no mesmo ato. Por isso é Abraxas terrível.
É magnífico como o leão no momento em que ataca a vitima. Bonito como um dia de primavera. É o próprio grande Pã e também o pequeno. É Priapo.
É o mostro das profundezas, pólipo de mil tentáculos, nó emaranhado de serpentes aladas, frenesi.  
É o hermafrodita dos tempos imemoriais.
É o senhor dos sapos e rãs, que vivem nas águas e sobem à terra, cujo coro se eleva à tarde e à
meia-noite.
É a abundancia que busca a união com o vácuo. 
É a sagrada procriação.
É o amor e o assassino do amor.
É o santo e seu traidor.
É a mais brilhante luz do dia e a mais negra noite de loucura.
Contemplá-lo é cegueira.
Conhecê-lo é doença.
Venerá-lo, morte.
Temê-lo sabedoria.
Não resistir a ele, redenção.
Deus mora atrás do Sol, o Diabo atrás da noite.
O que Deus traz à luz, o Diabo lança às trevas. Mas Abraxas é o mundo, seu porvir e seu passar.
Sobre cada presente que vem do Deus-Sol, o Diabo roga sua praga.
Tudo o que implorardes ao Deus-Sol provoca uma ação do Diabo.
Tudo o que criardes com Deus-Sol, dá poder efetivo ao Diabo.
Esse é o terrível Abraxas.
É a criatura mais potente, e nele a criatura tem medo de si mesma.
É a oposição manifesta da criatura ao pleroma e seu nada.
É o horror que o filho tem da mãe.
É o amor da mãe pelo filho.
É a alegria da Terra e a crueldade dos céus. 
Diante do seu semblante o homem fica que nem pedra.
Diante dele não há pergunta nem respostas.
É a vida da criatura.
É a manifestação da individualidade.
É o amor do homem.
É a linguagem do homem.
É a aparição e a sombra do homem.
É a realidade ilusória.
Então os mortos, por estarem consumados, gemeram e esbravejaram.


IV Sermão.

Os mortos encheram de murmúrios o recinto e disseram: fala-nos dos deuses e dos diabos, maldito!

O Deus-Sol é o bem supremo; o Diabo o oposto. Assim, tendes dois deuses. Mas há muitas coisas supremas e boas e muitos males enormes. Entre estes há dois deuses-diabos: um, o ARDENTE, outro, o CRESCENTE.
O ardente é ÉROS, que tem forma de chama. A chama da luz porque se consome.O crescente é a ARVORE DA VIDA. Germina e ao crescer se acumula de coisas vivas.Eros se inflama e morre. Mas a arvore da vida cresce lenta e constantemente, por tempo incomensurável.                                                                                                                                               
O Bem e o Mal estão unidos na chama.
O Bem e o Mal estão unidos no crescimento da árvore.
Em suas divindades, a vida e o amor se opõem.
Inumerável como a hoste de estrelas é o numero de deuses e diabos. 
Cada estrela é um deus e cada espaço que ocupa, um diabo.
Mas a plenitude-vácuo é o pleroma.
A manifestação do todo é Abraxas, a quem só o inefetivo se opõe.
Quatro é o numero das medidas do mundo.
O primeiro é começo, o Deus-Sol.
O segundo, Eros, une os extremos e se expande em luz.
O terceiro, a Arvore da Vida, ocupa o espaço com formas corpóreas.
O quarto é o Diabo, que abre tudo que se acha fechado; desfaz tudo que se constitui de natureza corpórea; é o destruidor em que tudo é reduzido a nada.
Para mim, a quem foi dado o conhecimento da multiplicidade e diversidade dos deuses, está bem. Mas ai de vós, que substituís esses múltiplos incompatíveis por um deus único. Pois, assim fazendo, gerais o tormento que se origina na falta de compreensão e mutilais a criatura cuja natureza e meta é a individualidade. Como podereis ser fiéis à vossa própria natureza se vos esforçais para transformar o múltiplo em uno? O que fizerdes com os deuses será feito convosco. Ficais todos iguais e assim frustrais vossa natureza.
A igualdade prevalecerá, não para Deus mas apenas em beneficio do homem. Pois muitos são os deuses, ao passo que poucos os homens. Os deuses são poderosos e podem arcar com a multiplicidade. Pois, como as estrelas, como permanecem solitários, separados por distancias imensas. Mas os homens são fracos e não podem arcar com sua natureza múltipla. Por isso moram juntos e precisam de comunhão para poder suportar o isolamento. Por amor à redenção, ensino-vos a verdade rejeitada, por cujo amor sofri rejeição.       
A multiplicidade dos deuses corresponde à multiplicidade dos homens.Inúmeros deuses aguardam a condição humana.Inúmeros foram homens. O homem partilha da natureza dos deuses. Vem dos deuses e vai para deus.
Assim como de nada serve refletir sobre o pleroma, não adianta venerar a multiplicidade dos deuses. E menos ainda venerar o primeiro deus, a abundancia efetiva e o summum bonum. Nada podemos acrescentar-lhe com nossa oração, e dele nada podemos tirar; porque o vácuo efetivo tudo absorve. Os deuses brilhantes formam o mundo celeste, que é múltiplo, e infinitamente disperso e crescente. O Deus-Sol é o senhor supremo deste mundo.Os deuses escuros formam o mundo terrestre. São simples, e infinitamente decrescentes e minguantes. O Diabo é o mais abjeto senhor desse mundo, o espírito- lunar, satélite terrestre, menor, mais frio e mais morto que a Terra.Não há diferença entre o poder dos deuses celestes e os dos terrestres. Os celestes aumentam, os terrestres diminuem. Incomensurável é o movimento de ambos.

V Sermão.

Os mortos escarneceram e vociferaram: Ensina-nos, tolo, a respeito da igreja e da santa comunhão.   

O mundo dos deuses se torna manifesto na espiritualidade e na sexualidade. Os celestes aparecem na espiritualidade, os terrestres na sexualidade.A espiritualidade concebe e acalenta. É feminina e por isso a chamamos de MATER COELESTIS, a mãe celeste. A sexualidade gera e cria. Masculina, a chamamos de PHALLOS, o pai terrestre.A sexualidade do homem é mais da terra: a da mulher, mais espiritual.A espiritualidade do homem é mais do céu, vai mais para o vasto.A da mulher, mais da terra, vai para o mais ínfimo.Mendaz e diabólica é a espiritualidade do homem que vai para o mais ínfimo.Mendaz e diabólica é a espiritualidade da mulher que vai para o mais vasto.Cada um deve ir para seu próprio lugar.O homem e a mulher, quando não dividem seus caminhos espirituais, tornam-se diabos um para o outro, pois a natureza da criatura é a individualidade.A sexualidade do homem tem curso terreno, a da mulher, espiritual. O homem e a mulher, quando não distinguem sua sexualidade, tornam-se diabos um para o outro.O homem conhecera o menor, a mulher o maior. O homem se distinguira da espiritualidade e da sexualidade. Chamara à espiritualidade Mãe, colocando-o entre o céu e a terra. E a sexualidade Phallos, colocando-a entre si mesmo e a terra. Pois Mãe e Phallos são demônios super-humanos que revelam o mundo dos deuses. São para nós mais efetivos que os deuses, por terem maior afinidade com a nossa própria natureza. Se não vos distinguirdes da sexualidade e da espiritualidade e não as considerar-des de uma natureza além e acima de vós, então vos entregareis a elas como qualidades do pleroma. A espiritualidade e a sexualidade não são qualidades vossas, nem coisas possuís e contendes, mas que vos possuam e contêm; pois são demônios poderosos, manifestações dos deuses e, por conseguinte, coisas, que vos ultrapassam, e existentes em si mesmas. Nenhum homem tem espiritualidade ou sexualidade próprias. Mas coloca-se sob a lei da espiritualidade e da sexualidade.   
Nenhum homem, pois, escapa desses demônios. Deveis considerá-los como demônios que tem uma tarefa e um risco comuns, carga comum que a vida vos legou. Assim a vida, para vós, também é tarefa e riscos comuns, como são os deuses, e, acima de tudo, o terrível Abraxas.O homem é fraco, portanto a comunhão é indispensável. Se vossa comunhão não estiver sob o signo da Mãe, então está sob o signo de Phallos. Nenhuma comunhão é sofrimento e doença. A comunhão em tudo é desmembramento e dissolução.   
A individualidade leva ao isolamento. O isolamento se opõe à comunhão. Mas por causa da fraqueza do homem contra os deuses e os demônios e sua lei invencível, a comunhão é necessária. Portanto deve haver tanta comunhão quanto for preciso, não por causa do homem, mas por causa dos deuses. Os deuses vos forçam a comunhão. Quanto mais vos forçarem, maior será a necessidade de comunhão, maior o mal.                                                                                   
Na comunhão, que cada homem se submeta aos demais, para que seja mantida; pois precisais dela.  No isolamento, um homem será superior aos demais, para que todos possam vir a ele e evitar a escravidão.
Na comunhão haverá continência.
No isolamento, prodigalidade.
Comunhão é profundeza.
Isolamento é elevação.
A medida certa na comunhão purifica e preserva.
No isolamento, purifica e aumenta.
A comunhão nos da calor, o isolamento luz.


VI Sermão.    

O demônio da sexualidade se aproxima de nossa alma feito serpente. Semi-humano surge como pensamento-desejo. O da espiritualidade mergulha sobre nossa alma como pássaro branco. Semi-humano surge como desejo-pensamento.A serpente é uma alma terrena, semidemoniaca, um espírito, e semelhante aos espíritos dos mortos. Assim, como estes, também pulula entre as coisas da Terra, fazendo-nos temê-las ou espicaçando-nos com desejos imoderados. A serpente tem natureza semelhante à da mulher. Sempre procura a companhia dos mortos retidos pelo feitiço da Terra, os que não encontraram o caminho mais além, que leva ao isolamento. A serpente é meretriz. Entrega-se a orgias com o Diabo e com os maus espíritos; tirana e algoz maldosa, sempre seduz os mais vis. O pássaro branco é uma alma semiceleste do homem. Dialoga com a Mãe, descendo de quando em quando. O pássaro tem natureza semelhante à do homem, e é pensamento efetivo. Casto e solitário é mensageiro da Mãe. Sobrevoa a terra a grande altitude. Infunde isolamento. Dá ciência dos distantes que já se foram e estão consumados. Leva nossa palavra à Mãe nas alturas. Ela intercede, avisa, mas não dispõe de poder contra os deuses. É receptáculo do Sol. A serpente vai para baixo e, com sua astucia, estropia o demônio fálico ou então incita-o a prosseguir. Produz os pensamentos demasiado ardilosos do demônio terrestre, aqueles pensamentos que se insinuam com desejo por cada furo e fenda em todas as coisas.A serpente, sem duvida, não quer, mas tem que ser útil a nós. Foge do nosso alcance, mostrando-nos assim o caminho, que com nossa inteligência humana não poderíamos encontrar.
Com olhar desdenhoso, disseram os mortos: Para de falar em deuses, demônios e almas. No fundo, há muito já sabíamos disso.
 
VII Sermão.

Mas quando sobreveio a noite, os mortos avançaram de novo, com lamentável aspecto, e disseram: Tem mais uma coisa que esquecemos de mencionar. Ensina-nos sobre o homem.

O homem é pórtico, pelo qual, vindos do mundo exterior de deuses, demônios e almas passais para o mundo interior; saindo do mais vasto para penetrar no mais ínfimo. Pequeno e efêmero é o homem. Já se encontra atrás de vós e mais e mais uma vez vos achais no espaço sem fim, no menor ou mais íntimo infinito.  A incalculável distancia paira uma estrela solitária no zênite.
Esse é o único deus desse homem. Esse o seu mundo, seu pleroma, sua divindade.
Nesse mundo é homem Abraxas, o criador e destruidor de seu próprio mundo.
Essa estrela é o deus e o destino do homem.
Esse o único deus que o guia. Nele vai o homem repousar. Rumo a ele segue a longa jornada da alma depois da morte. Nele brilha como luz tudo o que homem traz de volta do mundo mais vasto. A esse único deus o homem erguerá suas preces.  A prece intensifica a luz da estrela. Lança uma ponte sobre a morte. Prepara a vida para o mundo mais ínfimo e aplaca os desejos irrealizáveis do mais vasto. Quando o mais vasto esfria, a Estrela arde.
Entre o homem e o seu deus único nada se interpõe, desde que se possa desviar os olhos do espetáculo flamejante de Abraxas.
O homem aqui, deus lá.
A fraqueza e o nada aqui, lá o poder eternamente criador.
Aqui, nada além das trevas e gélida umidade.
Lá completamente sol.

Então os mortos se calaram e subiram feito fumaça de fogueira de pastor que passou a noite zelando pelo rebanho.

ANAGRAMA:
NATRIHECCUNDE 
GAINNEVERAHTUNIN
ZEHGESSURKLACH
ZUNNUS.

(Tradução de Milton Person)




                    
                 Mario Quintana





DO AMOROSO ESQUECIMENTO
Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mario Quintana - Espelho Mágico
AH! OS RELÓGIOS
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são...

Mario Quintana - A Cor do Invisível


DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

Mario Quintana - Espelho Mágico



POEMINHA DO CONTRA

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Mario Quintana


O SILÊNCIO

Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, n ão quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...

Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo


EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

            Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
 
Mario Quintana - A Cor do Invisível


CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

Mario Quintana


RECORDO AINDA

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...

Mario Quintana


BILHETE

Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

.....tem de ser bem devagarinho,
.....amada,

.....que a vida é breve,
.....e o amor
.....mais breve ainda.

Mario Quintana


OS POEMAS
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

Mario Quintana - Esconderijos do Tempo


A VIDA

A vida são deveres que nós trouxemos pra fazer em casa.

Quando se vê já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!

Agora, é tarde demais para ser reprovado...

Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada inútil das horas...

Dessa forma eu digo:
não deixe de fazer algo que gosta
devido à falta de tempo.

A única falta que terá, será desse tempo
que infelizmente... não voltará mais.

Mario Quintana


DOMINGO

Amar: Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer...
E dos meus olhos fechados desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei...
O amor é quando a gente mora um no outro.


SIMULTANEIDADE
- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.
Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo
Um bom poema é aquele que nos dá a impressão
de que está lendo a gente ... e não a gente a ele!

Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo


CLAREIRAS

Se um autor faz você voltar atrás na leitura, seja de um período ou de uma simples frase, não o julgue profundo demais, não fique complexado: ou inferior é ele.
A atual crise de expressão, que tanto vem alarmando a velha-guarda que morre mas não se entrega, não deve ser propriamente de expressão, mas de pensamento. Como é que pode escrever certo quem não sabe ao certo o que procura dizer?
Em meio à intrincada selva selvaggia de nossa literatura encontram-se às vezes, no entanto, repousantes clareiras. E clareira pertence à mesma família etimológica de clareza... Que o leitor me desculpe umas considerações tão óbvias. É que eu desejava agradecer, o quanto antes, o alerta repouso que me proporcionaram três livros que li na última semana: Rio 1900 de Brito Broca, Fronteira, de Moysés Vellinho e Alguns Estudos, de Carlos Dante de Moraes.
Porque, ao ler alguém que consegue expressar-se com toda a limpidez, nem sentimos que estamos lendo um livro: é como se o estivéssemos pensando.
E, como também estive a folhear o velho Pascall, na edição Globo, encontrei providencialmente em meu apoio estas palavras, à pág. 23 dos Pensamentos:
"Quando deparamos com o estilo natural, ficamos pasmados e encantados, como se esperássemos ver um autor e encontrássemos um homem".

Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo


PEQUENO ESCLARECIMENTO
Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio rm que escrevo e em que tu me lês.

Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo

            Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!




OBSESSÃO DO MAR OCEANO

Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

Mario Quintana - O Aprendiz de Feiticeiro


DA OBSERVAÇÃO

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...

Mario Quintana - Espelho Mágico

DOS MUNDOS

Deus criou este mundo. O homem, todavia,
Entrou a desconfiar, cogitabundo...
Decerto não gostou lá muito do que via...
E foi logo inventando o outro mundo.

Mario Quintana - Espelho Mágico

DA DISCRIÇÃO

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...

Mario Quintana - Espelho Mágico

O MAPA

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(É nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar

(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...

Mario Quintana - Apontamentos de História Sobrenatural


OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

Mario Quintana - Baú de Espantos


POEMINHA SENTIMENTAL

O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.

Mario Quintana - Preparativos de Viagem


SEMPRE QUE CHOVE

Sempre que chove
Tudo faz tanto tempo...
E qualquer poema que acaso eu escreva
Vem sempre datado de 1779!

Mario Quintana - Preparativos de Viagem



INSCRIÇÃO PARA UM PORTÃO DE CEMITÉRIO

Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"

Mario Quintana - A Cor do Invisível


O PIOR

O pior dos problemas da gente é que ninguém tem nada com isso.

Mario Quintana - Caderno H


EXAME DE CONSCIÊNCIA

Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?
Mario Quintana - Caderno H


A GRANDE SURPRESA

Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo...

Mario Quintana - Caderno H


EVOLUÇÃO
O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.

Mario Quintana - Caderno H


MÚSICA

O que mais me comove em música
São estas notas soltas
- pobres notas únicas –
Que do teclado arranca o afinador de pianos.

 URBANÍSTICA

Como seriam belas as estátuas equestres se constassem apenas dos cavalos!

Mario Quintana


Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mario Quintana ( livro Canções de Mário Quintana)


CARTA

Meu caro poeta,
Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!
Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.
A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.

Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.
Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.
Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.
Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?



Mario Quintana por Mario Quintana
( texto escrito pelo poeta para a revista Isto É de 14/11/1984 )

Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Há ! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai ! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas : ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade.
Nasci do rigor do inverno, temperatura : 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton ! Excusez du peu.
Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso ! sou é caladão, instrospectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros ?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de fármacia durante 5 anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo – que bem sabem ( ou souberam) , o que é a luta amorosa com as palavras.

Mario Quintana


Presença

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Mario Quintana (Melhores Poemas - 9o.edição - Global Editora)


UM DIA (ou UM DIA DESCOBRIMOS...)

Um dia descobrimos que beijar uma pessoa para esquecer outra é bobagem.
Você não só não esquece a outra pessoa como pensa muito mais nela....
Um dia nós percebemos que as mulheres tem instinto "caçador" e fazem qualquer homem   sofrer...
Um dia descobrimos que se apaixonar é inevitável...
Um dia percebemos que as melhores provas de amor são as mais simples...
Um dia percebemos que o comum não nos atrai...
Um dia saberemos que ser classificado como o "bonzinho" não é bom...
Um dia perceberemos que a pessoa que nunca te liga é a que mais pensa em você...
Um dia saberemos a importância da frase: "Tu te tornas eternamente responsável por        aquilo que cativas..."
Um dia percebemos que somos muito importantes para alguém, mas não damos valor a isso...
Um dia percebemos como aquele amigo faz falta, mas aí já é tarde demais...
Enfim... um dia descobrimos que apesar de viver quase um século esse tempo todo não é suficiente para realizarmos todos os nossos sonhos, para beijarmos todas as bocas
que nos atraem, para dizer tudo o que tem que ser dito naquele momento.
Não existe hora certa para dizer o que sentimos se quem estiver te ouvindo não te compreender, não te merecer...
O jeito é: ou nos conformamos com a falta de algumas coisas na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras...
Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação.

Autor Desconhecido - Não é de Mario Quintana!


O TEMPO

Com o tempo, você vai percebendo que para ser feliz com uma outra pessoa, você precisa, em primeiro lugar, não precisar dela.
Percebe também que aquele alguém que você ama (ou acha que ama) e que não quer nada com você, definitivamente não é o alguém da sua vida. Você aprende a gostar de você, a cuidar de você e, principalmente, a gostar de quem também gosta de você.
O segredo é não correr atrás das borboletas... é cuidar do jardim para que elas venham     até            você.
No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você!

Autor Desconhecido - Não é de Mario Quintana!




Remissão.
De noite, no meu leito,
busquei o amado de minha alma,
busquei-o e não o achei.

Você esta dormindo,você esta dormindo,
perceba a chuva
escute os pingos da goteira
eu sabia que choveria de novo
você não esperava que chovesse manso assim
escute os pingos sinta o frio
eu sabia que esfriaria de novo assim
e você dorme
e não esperava por essa chuva eu sei 
por muito tempo eu esperei
e, no entanto, entretanto você dorme.
e finalmente a mesma chuva admirado assustado você estava eu não estava
só estranhei o seu olhar quando chegou tão de repente
você nem sabia ha quanto tempo
eu esperei tanto aquela noite a mesma noite
e o sussurro da mesma chuva calma e fria
você nem lembra estes pingos eu contei em pensamento
e hoje o sono faz seu silencio perceba o frio pontiagudo nos seus ossos
e quanto a mim eu esperei por esta noite em meu silencio
e agora os pingos posso contá-los como os contei naquela noite
a luz tão fraca como antes até o ar tem o mesmo cheiro
você apareceu tão de repente todo molhado respingando a chuva que mansa caia e em
silencio pingavam gotas dos seus cabelos 
por muito tempo sem dizer nada nos olhamos paralisados ouvindo a chuva 
seus olhos duros frios furavam-me os seios descobertos
e aos seus pés quase uma poça já se formava
você no frio naquela chuva há tanto tempo e não tremia e não se mexia mas tinha frio
aquele vento trazendo o inverno eu sentia nos seios nus
a porta aberta a chuva escancarando a escuridão
e pude ver num clarão vindo do céu um vulto longe
você não viu ele se foi e aquela imagem eu guardei como um retrato do meu amor
a luta a luta...e agora aqui o mesmo vento o mesmo frio a mesma noite
abra a porta não é preciso é o mesmo frio
por tantos anos tantas noites eu esperei e não dormi
que risque agora este negrume raio bendito
venha corisco urre trovão eu estou aqui
me mostre o vulto pinte de novo esse retrato do meu amor
guie meu corpo escreva minha sina leva-me ao fim.


 
 Socorro Teatro.



Teatro, vem em meu socorro!
Durmo, desperta-me
Estou perdida no escuro, guia-me ao menos para uma vela
Estou preguiçosa, faze-me (ter) vergonha
Estou cansada, levanta-me
Estou indiferente, bata-me
Permaneço indiferente, quebra-me a cara
Tenho medo, encoraja-me
Sou ignorante, educa-me
Sou monstruosa, humaniza-me
Sou pretensiosa, faz-me morrer de rir
Sou cínica, embaraça-me
Sou besta, transforma-me
Sou antipática, pune-me 
Sou dominante e cruel, combate-me
Sou pedante, zomba de mim
                                                                                                                                                                          Sou vulgar, eleva-me
Estou muda, solta-me
Não sonho mais, trata-me como covarde ou imbecil
Esqueci, lança sobre mim a Memória
Sinto-me velha e passada, faz surgir à infância
Estou pesada, dá-me a Musica
Estou triste, vai procurar alegria
Estou surda na tempestade, faz rugir a dor
Estou agitada, faz crescer a Sabedoria
Estou frágil, incendeia a Amizade
Estou cega, convoca todas as luzes 
Estou submetida à Feiúra, faz entrar a Beleza conquistadora 
Fisgada pelo Ódio, faz surgirem todas as forças do Amor.

Mensagem de Ariane Mnouchkine lida por ela na UNESCO, quinta feira, 31 de março de 2005, na ocasião da jornada mundial de teatro.






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